29 abril 2009

E quando ela acorda (parte II)

Começou sua árdua caminhada para o trabalho, observando como a vida pode ser tão linda e tão desgastante ao mesmo tempo. Sentia-se feliz por estar viva e poder apreciar a beleza do parque por onde passava todos os dias e as crianças que ali brincavam. Mas, após três quarteirões, quando cruzava a esquina do orquidário, e se deparava frente à pastelaria do mercado municipal, já não sabia mais como se sentia. Talvez delicada e deslumbrante tal como uma orquídea, ou asquerosa e suja tal como o mercado.
Depois de alguns minutos de caminhada - naquele andar de quem está indo, mas não quer chegar - chega ao lugar de seu martírio, mas sustento. Trabalha na locadora do shopping e com devoção lê diariamente a sinopse dos filmes recém comprados ou que ali estão por longo tempo, esquecidos na estante. Com sua mão que sempre tateia antes de ter, escolhe cinco filmes que mais lhe chamara atenção e os coloca em cima do balcão.
Entre uma pausa e outra no atendimento aos clientes, volta sua atenção repleta de curiosidade para os filmes estendidos no balcão e, com seu olhar seletivo e certeiro, escolhe apenas um e logo começa a imaginar sua vida, no enredo daquela sinopse. Lembrando que, sendo aquele filme baseado em fatos reais, quem sabe não seria o fato real parecido com a sua própria vida, relatada em um filme?
Ali estava com as mãos suadas, assentada, porém desconfortável na cadeira, perdida sabe-se lá em qual horizonte de si mesma, quando toca o telefone. Sem manifestar a inquietude de seu coração, levanta e se direciona calmamente para atender, na intenção de dar um basta naquele aparelho escandaloso. Ao escutar a voz que do outro lado lhe falara, percebe ser de alguém conhecido, mas não consegue de imediato fazer as devidas associações.
Era um antigo romance que esteve passeando pelo shopping e a viu na locadora. Ligou como quem não quer nada, com o intuito de saber se havia chegado um filme no qual estava ansioso para ver, e no decorrer da conversa - também como quem não quer nada - a convidou para uma cessão de cinema em sua casa.
Ela foi tomada por uma incrível sensação de vitória, pois esperava há anos por qualquer convite daquele rapaz. Porém, logo após chegar em casa, e tomar um banho demorado, lhe ocorreu um horrível pensamento, de que talvez, as pessoas não se apaixonam por uma outra pessoa, mas sim por uma invenção.
Vestiu-se com a peça que julgava ser sua roupa mais atraente e poderosa do seu armário e perdida em meio a tantas dúvidas sobre o que realmente desejaria para aquela noite, optou por assistir sozinha, ao filme que leu a sinopse naquela tarde.


by Isabela Brunelli
Nosso conto!

Um comentário:

  1. O segredo é: de quem é o delineador... essa resposta já faz desenhar e descobrir faces e sorrisos... Pense nisso!

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